quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Ahmés-Nefertari ou o poder das mulheres no Império Novo - III parte

Durante toda a sua vida, Ahmés I rodeou-se de mulheres poderosas e sábias. Já apresentámos duas. Falta a terceira: Ahmés-Nefertari, a "Grande Esposa Real" (ao lado, uma imagem dela).

Ahmés-Nefertari ("Nascida do deus-lua, a mais bela das mulheres", se a tradução é correcta) viveu cerca de 1565-1495 a.C, a filha de Ahhotep I e de Taá II, neta de Teticheri, e irmã e consorte de Ahmés I.

Viveu os primeiros anos numa família dominada por fortes mulheres: a mãe, Ahhotep e a avó, a matriarca Teticheri. Durante algum tempo, o reinado de Ahmés I seria bastante influenciado por este trio feminino composto por três gerações diferentes.(uma observação da preponderância do número três na cultura egípcia, embora ache neste caso que é coincidência!)

Esta rainha aparenta ter sido muito influente a avaliar pelos diversos títulos atribuídos tais como "Princesa herdeira", "Esposa do Grande Rei", "Filha do Rei", "Irmã do Rei". De acordo com uma estela em Karnak, Ahmés I terá obtido para ela o título de "Esposa Divina" (hemet-netjer), talvez a primeira consorte real a recebê-lo.

Nessa qualidade, controlaria vários sectores económicos no Egito, pois existem referências suas no que toca à administração de diversos bens, propriedades e actividades, inclusive a exploração de pedreiras e minas em Mênfis e Assiut. Não será descabido supor que ela possuía grande inteligência política, a avaliar pelas doações e títulos entregues pelo marido.

Entre os seus filhos estão Amenhotep I, a consorte Ahmés-Meritamun e talvez Mutnefert (mãe de Tutmés II e avó de Tutmés III). Com a morte do marido, terá sido regente em nome de Amenhotep I e manteve-se influente a julgar pelas várias representações suas ao lado dele em gravuras (como a do lado), mostrando assim presença constante na vida pública e política da XVIII dinastia como "Mãe do Rei".

De resto ela e seu filho seriam divinizados pelos trabalhadores da aldeia de Deir-el-Medina, dado serem os responsáveis pela fundação da necrópole real no Vale dos Reis. A rainha seria alvo de um culto póstumo na qualidade de "Senhora do Céu" e "Senhora do Ocidente".

Segundo a estela de um sacerdote chamado Nefer, datada do 5º ano do reinado de Tutmés I, "a divina consorte Ahmés-Nefertari, em justiça com o grande deus senhor do Ocidente, partiu para o Céu", o que atesta a longevidade da rainha, falecida talvez com 70 anos e após atravessar cinco reinados, desde Taá I, seu avô ao filho, Amenhotep I.

Existe um templo mortuário seu em Dra Abu el-Naga, perto do qual terá sido sepultada inicialmente, mas sabe-se que depois o seu corpo foi removido para o túmulo DB320 juntamente com inúmeras múmias reais para escapar à rapina dos ladrões de túmulos.

A sua múmia seria descoberta e analisada no século XIX. Tem-se teorizado que Ahmés-Nefertari talvez fosse uma mulher negra face às representações em túmulos onde aparece com a pele escura, mas os dados não são conclusivos, pelo que a ideia é controversa e discutível ainda hoje.

O que é indiscutível é que Ahmés-Nefertari é um perfeito exemplo da continuidade do poder feminino matriarcal na XVIII dinastia. Gerações posteriores irão reverenciá-la e considerar a maior das honras em tê-la como antepassada nobre e ilustre.

P.S. O professor Luís de Araújo teve a amabilidade de colocar na sua obra Os Grandes Faraós do Antigo Egito a foto da estela de um escriba chamado Iri, venerando Ahmés I e Ahmés-Nefertari. Mas caso não tenham a obra, sempre podem admirar a estela no Museu Calouste Gulbenkian, tão pertinho daqui!

3 comentários:

  1. Estas rainhas eram de facto poderosas e influentes na política do Egito dessa época.
    Pena apenas sabermos alguns fragmentos da realidade histórica. Infelizmente os antigos egípcios não inventaram a comunicação social e os arqueólogos e historiadores têm de montar um imenso puzzle em que faltam a maioria das peças - Um belo exemplo de quebra-cabeças.

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  2. Embora no antigo Egito não existisse a prática e o conceito de comunicação social como hoje o entendemos, ainda assim os meios de comunicação eram eficazes e poderosos, aliando a escrita (só ao alcance de uma minoria) à imagem.

    Graças a esses meios sabemos hoje bastante sobre a civilização faraónica, aproveitando os muitos textos e as expressivas imagens que chegaram até nós, preservadas em templos, túmulos, estelas, papiros e outros suportes.

    É o caso da imagem de cima, com a rainha de pele negra porque está em contexto funerário, e com o texto hieroglífico à sua frente a dizer que Ahmés-nefertari é a grande esposa real e a grande mãe do rei (hemet-nesu e mut-nesu ueret).

    Na outra imagem vê-se a rainha (com o título de esposa divina, hemet-netjer) com o seu filho Amen-hotep I, enquanto o texto vertical à esquerda nos diz quem foi o escriba que se encarregou de fazer esta imagem. E quem foi ele?

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  3. Bom, como nenhum dos escribas e leitores do blogue se ofereceu para ler o texto vertical que está à esquerda da segunda imagem vou eu fazê-lo para esclarecer acerca do escriba egípcio que se encarregou desse trabalho.

    Esse texto hieroglífico diz: «Osíris (Usir), verdadeiro escriba do rei (sech-nesu maé), seu amado (mer-ef), escriba dos arquivos do senhor das Duas Terras (sech aat en neb-Taui), Tjai, justificado (maé-kheru).»

    Acontece que o escriba real e dos arquivos tem um nome curioso, ele chama-se «marido» ou então «macho», dando assim expressão onomástica à sua vocação sociológica de chefe de família... ou algo mais.

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