terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Propaganda e legitimação

A beleza feminina da estátua da rainha-faraó Maatkaré Hatchepsut só é equiparada ao seu astuto uso da propaganda político-religiosa com o propósito de se legitimar como rei numa monarquia teocrática predominantemente masculina. Face a um trono já ocupado por um príncipe varão - Tutmés III, sobrinho e enteado - a rainha regente, viúva de Tutmés II, fez extensa utilização dos meios propagandísticos à sua disposição talvez mais do que qualquer soberano (com a excepção de Ramsés II, bem entendido!)

Contando com o apoio do clero de Amon, a rainha publicitou largamente o mito da teogamia, proclamando-se «filha carnal de Amon» e dele recebendo a legitimidade para reinar sobre todo o Egito como proclama o curto texto seguinte:

"Aproximou-se o rei dos deuses, Amon-Ré, do seu templo, dizendo: «Bem-vinda minha doce filha, minha favorita, o rei do Alto e Baixo Egito, Maatkaré Hatchepsut. Tu serás faraó, tomando posse das Duas Terras.»"

Ela também se legitimou a partir da outra fonte de poder além do divino: a partir da sua própria linhagem. Conforme apresenta o texto do seu templo em Deir-el-Bahari, a rainha recebe o trono por ordens directas de seu pai terreno, Tutmés I:

"Esta minha filha - Khnemetamon Hatchepsut - que ela viva! - nomeei como minha sucessora no meu trono...ela irá dirigir o povo de qualquer esfera do palácio; na verdade é ela que vos irá liderar."

Tanto mais ela insistiu na sua legitimidade pois tinha consciência da sua fragilidade política como mulher num universo político extremamente conservador. Daí que a propaganda político-religiosa de Hatchepsut tenha sido usada em tão grande escala. Todavia, não há dúvida que foi bem sucedida no objectivo proposto, conforme é demonstrado pelas grandes realizações de um próspero reinado de vinte anos.

3 comentários:

  1. Não há qualquer dúvida que Hatchepsut foi uma grande rainha que usou todos os meios (terrenos e celestiais) para se manter no poder, tendo um reinado relativamente longo e próspero. Não se sabe quem mandou destruir grande parte do seu legado e quem destruiu as cartelas com o seu nome. Há quem diga que pode ter sido o seu seguidor Tutmés III, (que era seu enteado, sobrinho e genro), que apesar de tudo durante alguns anos foi seu co-regente. Mas também existe a teoria que o ostracismo em relação a Hatchepsut já foi posterior, por considerarem ser um "mau exemplo" no contexto da liderança faraónica masculina.
    Apagar o nome de alguém era considerado a forma de negar-lhe a eternidade. Felizmente não foram totalmente eficazes nessa tarefa, razão pela qual ainda hoje sabemos alguns aspectos da sua vida e dos seus feitos.

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  2. Ainda bem que essa acção de damnatio memoriae não foi eficaz, senão Hatchepsut ficaria para sempre nas sombras da História e nunca teríamos informação acerca dela!

    Quanto à destruição das cartelas e das estátuas em seu nome, é outro mistério a desvendar como de resto inúmeros outros em redor da vida desta mulher invulgar.

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  3. O Metropolitan Museum de Nova Iorque bem se pode orgulhar de incluir entre o seu espólio evocativo do antigo Egito esta bela estátua de Hatchepsut que se expõe numa sala com outra estatuária dedicada à rainha-faraó.

    Na verdade os escultores que produziram esta e outras imagens da rainha foram exímios na captação semiótica da imagem tradicional da realeza (masculina) e na captação somática com a airosa graciosidade da dama real.

    Depois, e influenciados por estas apelativas representações, os escultores e iconógrafos reais continuaram a produzir imagens de faraós com aspeto grácil, juvenil e amaneirado (Tutmés III, Amen-hotep II, Amen-hotep III).

    Os dois últimos nomes da rainha-faraó, colocados dentro de cartelas, são Maatkaré (o nome de rei do Alto e do Baixo Egito, que significa «Maet é o ka de Ré») e Khnemetamon-hatchepsut (o nome de filho de Ré, que se pode interpretar como «A que está junto de Amon» e «A que está à frente das nobres damas»).

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